Desmascarados
- Entrelinhas
- 22 de set. de 2020
- 3 min de leitura
Por Manu Montenegro, integrante do grupo de WhatsApp "Uma vez Flamengo"
Em mais uma colaboração especial no Entrelinhas, o jornalista Manu Montenegro faz uma análise crítica sobre o momento político do Flamengo
A imagem rodou o mundo. Homens brancos, mascarados, lado a lado, alguns em pé, outros, agachados, empunham camisas de Flamengo e Independiente del Valle em um lugar que parece um salão, à noite. Além desses sujeitos em primeiro plano, a imagem da página do Flamengo do Facebook nos lembra que: 1) qualquer imagem roda o mundo hoje em dia; e 2) o Boçonazismo (sic do autor) mata.
O Flamengo chegou ao Equador para jogar a Libertadores da América, que levou seis meses para ser retomada. Nesse período, organização e integrantes do torneio discutiram as medidas de prevenção necessárias para que a disputa não contribuísse para a disseminação do novo coronavírus no subcontinente sul-americano. É por isso que os estádios estão vazios. É por isso que não tem pré-jogo de dentro da cabine do estádio, com o áudio direto da torcida ao fundo, um dos charmes sinestésicos desse campeonato. É por isso que jogadores do banco são obrigados a usar máscaras. Pera aí.
Para que usar máscaras à beira do campo se eles estão em um ambiente seguro, controlado, prevenido contra as ameaças de contaminação do mundo exterior? Não sei. Não sei tampouco por que dirigentes do Flamengo foram jantar às vésperas de um jogo importantíssimo no calendário rubro-negro – top 6 de entre os 70 disputados anualmente – em uma cidade onde havia um surto de contaminação da covid-19. No feriado nacional da semana anterior, a população do país correu às praias e relaxou.
Não sei porque não conheço nenhum dos presentes à mesa e ninguém me contou, mas tenho uma hipótese: o negacionismo contaminou a direção do Clube de Regatas do Flamengo. A doença não tem cura conhecida (isolamento social não resolve), principalmente porque o doente recusa-se a enxergar-se como doente. Abala a autoimagem do paciente, que começa a negar fatos básicos da ciência, a bordo de seu celular ou notebook, dois totens da evolução científico-tecnológica.
Talvez esse componente social, e não estritamente fisiológico, da doença tenha inibido a intervenção do midiático chefe do festejado departamento médico do clube, Dr. Tannure. Em maio, pré-auge da pandemia, o médico postou na sua rede social fotos em almoço sem máscaras com os presidentes do Flamengo e do Brasil, no gabinete deste último, com os seguintes dizeres:
“Hoje demos um pequeno passo, mas que pode significar um passo enorme no nosso retorno! Continuamos trabalhando... VÁ E VENÇA (dois punhos dando soco) #issoaquiéflamengo”.

Diego Ribas, capitão informal do atual time e craque das redes sociais, elogiou o esforço do profissional que elaborou o protocolo “Jogo Seguro” (!) com os demais clubes do Rio e da Federação de Futebol do estado.
Ainda ontem, postou vídeo confessando estar contaminado pela covid-19 e queixando-se de dor de garganta e dores no corpo, enquanto o clube garantiu em nota que todos estavam assintomáticos, uma mentira que virou prática de assessoria de imprensa nesses tempos de pandemia. #fakeoufato.
Ao permitir que dirigentes se reunissem sem máscaras com dirigentes em um país (deixo para você decidir qual país) em emergência sanitária, o médico negou sua profissão, negou a ciência, negou o bom senso. Em nome do quê? Do negacionismo, da mentira e das redes sociais, pilares do boçonazismo, que nega a ciência da história (não houve ditadura aqui), da ciência política (nazismo é de esquerda), da economia (arroz caro é culpa do pobre que agora é rico), do direito (três décadas empregando funcionários-fantasmas) e da medicina.
Tannure negou a ciência que poderia ter salvado da morte 137 mil brasileiros (até 21/09/2020), mas ele não está sozinho. O leigo empossado no cargo mais importante do país contribui para o patriótico esforço de guerra contra o Brasil – e o faz com requintes de crueldade. Disse outro dia: “Por isso temos falado dia após dia: ‘não fique em casa’, receba o diagnóstico clínico do médico”. Ecoava mentiras que o chefe repete há meses: “Tome cloroquina” ou “ficar em casa é para os fracos!” ou “o brasileiro precisa de alguma distração, o futebol precisa voltar”.
Nada disso é novo. Ninguém está sendo “desmascarado”. Dr. Tannure e equipe operaram milagres da medicina esportiva (Diego Ribas é a prova viva). As diretorias do Flamengo resgatam há alguns anos um clube de um estado de falência crônica à final do Mundial Interclubes. Mas os feitos aqui assinalados não tiveram uma digital do boçonazismo.
A façanha de hoje à noite terá, INDEPENDENTE do que for, TERÁ.
コメント